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Professor de História Econômica da Universidade Estadual de Maringá.

Saturday, February 23, 2008

Fidel e o golpe da revolução operada por outros meios

http://veja.abril.com.br/270208/p_078.shtml
Revista Veja. Edição 204927 de fevereiro de 2008

Artigo: Reinaldo Azevedo

Fidel e o golpe da revolução operada por outros meios

"A mitologia da resistência é uma trapaça ideológicaa emprestar a homicidas compulsivos a dignidade de utopistas. Hoje, os nossos ‘cubanófilos’ estãoempenhados é em assaltar os cofres. E é bom lembrar:os ladrões vulgares não desistiram de solapar a democracia"

A semente do mensalão está na pistola com que Che Guevara executou um guerrilheiro que roubara um pedaço de pão. O dossiê dos aloprados foi planejado em Sierra Maestra. O aparelhamento do estado e a farra dos cartões desfilaram com Fidel Castro em Havana, em 1959. Isso é história de mentalidades, não de nexos pobremente causais. O assalto ao Erário, à ordem legal e à administração do estado seria apenas a revolução operada por outros meios. Os criminosos precisam dessa mitologia para reivindicar seu exclusivismo moral. É coerente que propagandistas do PT como o arquiteto Oscar Niemeyer, o cantor Chico Buarque e Frei Betto sejam também embaixadores (i)morais da ditadura cubana.

Fidel, vê-se, é uma figura marcante na história do Brasil. A justificativa nada improcedente do golpe militar de 1964 foi impedir a "cubanização" do país. Figuras que transitam neste governo têm sua folha corrida ou sua lenda pessoal ligadas à trajetória do "comandante". José Dirceu, por exemplo, ganhou seu caráter e uma de suas caras treinando guerrilha na Cuba revolucionária. Há quem jure que nunca deu um tiro. O sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que estreou no anticomunismo, aproximou-se do castrismo por razões, acredite!, pragmáticas. Derrotados de 64 forneceram ao dito então "novo sindicalismo" a vértebra política que ele não tinha e lhe emprestaram aquela mitologia da "resistência".

Na versão mítica, os derrotados do comunismo que voltaram do exílio tentariam construir o socialismo recorrendo aos instrumentos que a própria "burguesia" lhes forneceria. Padres de passeata aspergiram na mistura um pouco da pervertida água benta anticapitalista, e pronto! Estava criado o PT. Para quê?

As esquerdas, diz um amigo, não têm uma teologia, só uma demonologia. Ainda não definiram as virtudes pelas quais lutam, mas têm claros os valores contra os quais conspiram, e o mais importante de seus alvos é a liberdade.

O alemão Karl Marx (1818-1883), pai intelectual dos comunistas, tinha certa atração pelo demônio – o próprio filho o chamava de "diabo"; devia ter lá seus motivos. Em Marx e acólitos, o novo homem se faz da destruição do patrimônio cultural que herdamos, não de uma nova resposta às demandas geradas por essa herança. Por isso o marxismo tentou apagar no "cérebro dos vivos" o "pesadelo das gerações mortas". Eliminar a memória é condição essencial do totalitarismo. As revoluções e golpes comunistas sempre foram exímios na destruição de sistemas, mas incapazes de criar alternativas: caracterizam-se por longos processos de depuração, expurgos, retratações e purgações inquisitoriais. Como diria o cubanófilo Chico Buarque, inventaram o pecado, mas não o perdão.

Num ambiente em que se articulam "teologia", "demonologia" e "esquerdas", uma voz autorizada é a de Frei Betto, o mais pio dos nossos "cubanos", eventualmente ímpio, já que é um religioso. O homem é de uma coragem moral admirável na amizade que mantém com Fidel. Em seu convicto repúdio ao inferno capitalista, jamais se deixou impressionar por execuções sumárias. Como diria Padre Vieira (1608-1697), a coragem moral é de Betto, mas o risco é dos outros. Ele já tem seu veredicto: "Não há nenhum sintoma em Cuba de que o país possa retornar ao capitalismo". Betto esconjura o demônio. Trata-se da reza macabra habitual: justificar ou ignorar crimes, sejam fuzilamentos ou mensalões, em nome de amanhãs sorridentes. É o que tem feito outro renitente apologista do comunismo, Oscar Niemeyer, com o peso dos seus 100 anos – a União Soviética não resistiu mais do que 74... Na carta de renúncia, Fidel citou o arquiteto, afirmando que é preciso "ser conseqüente até o final". Até o fim de quem?

Ocorrem-me, diante de Niemeyer, as palavras do poeta português Antero de Quental (1842-1891) ao responder a um adversário intelectual: "Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Exa. passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas coisas que saem dele, confesso, não me merecem nem admiração nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V. Exa. precisa menos cinqüenta anos de idade, ou então mais cinqüenta de reflexão".

E há Chico Buarque, o terror da propriedade e dos casamentos privados do Leblon. Sim, a nossa Palas Athena da MPB tem até um retrato no Museu da Revolução de Cuba, tal é a admiração que lhe devota o "comandante". O povo prefere Nelson Ned e a novela Escrava Isaura. Entendo: deve identificar o dono da ilha com Leôncio, o bandidão senhor de escravos. "Chico", essa entidade acima da moral e, quiçá, dos bons costumes, faz lirismo voluntário com o sangue involuntário das vítimas de Fidel. Um talentoso idiota moral.

Boa parte da imprensa não fugiu a esse clima de leniência (ou "leninência": não resisti ao trocadilho, perdoe-me) com o "comandante". Sua renúncia assanhou as células do ódio à democracia e à economia de mercado. Sob o pretexto da isenção, atribuíram ao facínora uma herança "ambígua". Num rasgo de covardia intelectual, decretou-se: "Só a história poderá julgá-lo".

Fidel mandou matar em julgamentos sumários 9 479 pessoas. Estima-se que os mortos do regime cheguem a 17 000. Dois milhões de pessoas fugiram do país – 15% dos 13 milhões de cubanos. Isso corresponderia a 27 milhões de brasileiros no exílio. Ele matou 130,76 indiví-duos por 100 000 habitantes; Pinochet, o facínora chileno, "apenas" 24; a ditadura brasileira, "só" 0,3. O comandante é 435,86 vezes mais assassino do que os generais brasileiros, que encheram de metáforas humanistas a conta bancária de Chico Buarque. A história dirá quem foi Fidel? Já disse! Permaneceu 49 anos no poder; no período, passaram pela Casa Branca, lá no "Império" detestado por Niemeyer, dez presidentes!

Cadê a ambigüidade? A mitologia da resistência é uma trapaça ideológica a emprestar a homicidas compulsivos a dignidade de utopistas. Hoje, os nossos "cubanófilos" estão empenhados é em assaltar os cofres. O problema não está nas duas caras que eles têm, mas na moral que eles não têm. E é bom lembrar: os ladrões vulgares não desistiram de solapar a democracia.

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Sunday, February 03, 2008

Miscigenai, brasileiros! Mestiçai!


Um leitor da Bahia, Ismar Celestino de Souza, manda um comentário com endereço, e-mail e mais um pouco — por isso não publiquei na área destinada aos internautas — em que se lê o seguinte (conforme o original):
REINALDO AZEVEDO,Você está incentivando o preconceito racial entre seus leitores. A propósito: O que você tem contra a comunidade negra? Parece um ódio bestial, um prazer em tentar denegrir a imagem de uma raça. Deveria assumir, logo, um racismo explícito.Vou recortar e guardar alguns comentários dos teus leitores, postado aqui em seu blog.
Ismar Celestino de Souza
Rua XXX, 287, apt.021
Nazaré -Salvador-BA
VOLTEI
Incentivar o preconceito é crime, cidadão. Se você acha que estou fazendo isso, tem a obrigação de me denunciar. Mas acusar uma pessoa de ter cometido um crime que ela não cometeu também é crime definido. O nome: calúnia. Então faça assim: você me processa sob a acusação de incentivar o racismo, e eu o processo por calúnia. Quer brincar, Ismar?Não posso ser racista porque acho que raça não existe — eu e qualquer geneticista decente.
Quem faz um uso racista das palavras é você, e não é difícil prová-lo. O emprego do verbo “denegrir” (variante aceitável de “denigrir”), com o sentido que lhe você lhe atribui, traz uma possível carga de preconceito. Está lá no Houaiss, acepção nº 1: “ tornar(-se) negro ou escuro; obscurecer(-se)”. Jamais empreguei, por exemplo, essa palavra em meu blog com esse sentido, de rebaixamento.Quer colecionar comentários? Faça bom proveito. O que isso significa? Uma ameaça? Saia dessa, Ismar. Raça? Eu me declaro gloriosamente um vira-lata. Sou fruto do cruzamento de italianos com índios e me casei com uma árabe. E dessa mistura saíram as minhas filhas, sem qualquer orgulho de raça.
Quem tem pedigree é cachorro, Ismar.
Quem tem pedigree é gato.Quem se orgulhava de sua suposta raça eram os nazistas.Miscigenai, brasileiros! Mestiçai!

Racismo, pobreza e educação

Segunda-feira, 28 agosto de 2006

ESPAÇO ABERTO

Carlos Alberto Di Franco
Não Somos Racistas (Editora Nova Fronteira, 143 págs., R$ 22) é o título do recém-lançado livro do jornalista Ali Kamel. A obra é um desabafo que, de algum modo, contribui para reconduzir torrentes de águas turvas ao leito do rio. Trata-se de um esforço, sereno e aberto, de mostrar o outro lado, freqüentemente omitido ou camuflado, da discussão sobre as políticas compensatórias ou "ações afirmativas" para remir a pobreza que, supostamente, castiga a população negra.

Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da Rede Globo de Televisão e ex-aluno do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um intelectual inquieto. Por isso, questiona pretensas unanimidades. Fustigado pela sua intuição de repórter, flagrou um denominador comum nos diversos projetos instituindo cotas raciais: a divisão do Brasil em duas cores, os brancos e os não-brancos, com os não-brancos sendo considerados todos negros. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evaporou nos rarefeitos laboratórios dos legisladores. "Certo dia", comenta o jornalista, "caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aqueles que não eram brancos.(...) Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não era o meu."Do susto nasceu a reflexão. O desvio começa na década de 1950, pela ação da escola de Florestan Fernandes, da qual participava Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, FHC presidente foi sempre seguidor do jovem sociólogo Fernando Henrique.

Convencido de que a razão da desigualdade é o racismo dos brancos, FHC foi, de fato, o grande mentor das políticas de preferência racial. Lula, com sua obsessão populista, embarcou com tudo na canoa das cotas raciais. O Brasil, como todos vivenciamos, nunca foi um país racista. Tem, como é óbvio, pessoas racistas.

A cultura nacional, no entanto, sempre foi uma ode à miscigenação. As políticas compensatórias, certamente movidas pela melhor das intenções, produzirão, estou certo, um efeito perverso: despertarão o ódio racial e não conseguirão cauterizar a ferida da desigualdade.Ali Kamel, ademais de anotar que, segundo o consenso dos geneticistas, "raça é um conceito social, não um conceito científico", bate forte na decisão que dividiu o Brasil em brancos e negros, quando o governo FHC determinou que os documentos oficiais deveriam juntar os pardos, mulatos e pretos sob um só rótulo: negros. Matou-se, por decreto, a realidade da miscigenação. Facilitou-se, falseando a realidade, o argumento de que os negros são 48% da população e 65,8% dos pobres. Errado. Destrinchando as estatísticas, o jornalista mostra que os negros são 6,4% da população (11 milhões); os pardos são 41,7% (76 milhões); e os brancos, 51% (93 milhões). Dos 57 milhões de pobres, 34 milhões são pardos (58,7% do total), 4 milhões são negros (7%) e 19 milhões são brancos (34,2%). Entre os pardos, os pobres são 44,7%; entre os negros, 36,4%; e entre os brancos, 20,4%. Quer dizer: os pardos são mais pobres que os negros. Nada nas estatísticas prova que a desigualdade seja causada por racismo. "Somar pardos e negros", diz o autor, "seria apenas um erro metodológico se não estivesse na base de uma injustiça sem tamanho." Os números relativos aos pardos - porcentualmente, os brasileiros mais pobres - serviram para engordar as estatísticas de pobreza dos negros. Mas, na hora de distribuir os benefícios, boa parte dos pardos (os pardos/brancos) é excluída.

Esgrimindo argumentos convincentes, o jornalista mostra que os desníveis salariais entre brancos e negros não têm fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. "Os mecanismos sociais de exclusão têm como vítimas os pobres, sejam brancos, negros, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a educação pública de baixa qualidade." Esta é a tese central de Ali Kamel.

Só investimentos maciços em educação podem erradicar a pobreza. É preciso fugir da miragem do assistencialismo. "Tire o dinheiro do programa social e o pobre voltará a ser pobre, caso tenha saído da pobreza graças ao assistencialismo. E o pior: num país pobre como o nosso, cada centavo que deixa de ir para a educação contribui para a manutenção dos pobres na vida trágica que levam", adverte o autor.Numa primeira reflexão, nada mais justo do que dar aos negros a oportunidade de ingressar num curso superior. Mas, quando examinamos o tema com profundidade, vemos que não se trata de uma providência tão justa quanto parece. Ao tentar corrigir a injustiça que, historicamente, marcou milhões de brasileiros, cria-se um universitário de segunda classe, que não terá chegado à universidade por seus méritos. Ademais, ao privilegiar etnias, a lei discrimina outros jovens brasileiros pobres que não se enquadram no perfil racial artificialmente desenhado pelo legislador.

Oculta-se a verdadeira raiz da injustiça: a baixíssima qualidade do ensino. Como sublinha Kamel, "os negros brasileiros não precisam de favor. Precisam apenas de ter acesso a um ensino básico de qualidade, que lhes permita disputar de igual para igual com gente de toda cor". Os orientais, parte diminuta da nossa população, ocupam porcentagem significativa das vagas nas melhores escolas públicas. Por quê? Seus pais e avós, com grande sacrifício, investiram na educação de seus filhos. É uma equação que não tem erro.

Não existia até agora verdadeiro debate a respeito das chamadas "ações afirmativas". Respirava-se um clima de aparente unanimidade. Ali Kamel, exercendo seu direito de cidadão e jornalista, reabre a discussão. É importante, caro leitor. Para você e para mim. Afinal, o que está em jogo é a própria identidade cultural do nosso país.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia. E-mail: difranco@ceu.org.br

Justiça suspende sistema de cotas da Universidade Federal de SC

21/01/2008 - 22h46


MATHEUS PICHONELLI, da Agência Folha.

A Justiça Federal de Santa Catarina suspendeu o sistema de cotas instituído pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e determinou que as vagas do vestibular de 2008 sejam preenchidas por ordem de classificação dos candidatos.
A decisão liminar foi deferida pelo juiz Gustavo Dias de Barcellos, após ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal.
Com a decisão, a qual cabe recurso, todo candidato que alcançou pontuação mínima exigida para classificação em cada curso terá direito a se matricular e a freqüentar as aulas.
Em julho do ano passado, a UFSC havia aprovado, em resolução normativa, um sistema de cotas para reservar 20% de 4.095 vagas para egressos de escolas públicas e 10% para negros que estudaram em rede pública. A universidade tem 20 mil estudantes de graduação.
Pelo critério, esses alunos poderiam disputar as vagas com os demais concorrentes, mas, caso não alcançassem a pontuação mínima, poderiam obter a vaga por meio das cotas.À época, a instituição argumentou que o número de estudantes negros e pardos na UFSC era baixo: 4% do total, enquanto cerca de 18% haviam estudado em escolas públicas.
Na ação, o Ministério Público defendeu que reservas de vagas ferem o princípio da legalidade e disse que a questão deveria ser tratada por lei e não por resolução normativa. A ação foi proposta pelo procurador da República Davy Lincoln Rocha.
Segundo o juiz, a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional é da União. Ele garantiu a liminar argumentando haver "receio de dano irreparável ou de difícil reparação em virtude da realização das matrículas (...) e do início das aulas".
Na decisão, o magistrado sustentou que "a discriminação imposta pelo sistema de cotas" fere "o princípio da igualdade assegurado na Constituição".
"A ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro ou branco", disse.
Presidente da Copeve (Comissão Permanente dos Vestibulares) da UFSC, o professor Edemir Costa se reuniu nesta segunda-feira à tarde com os procuradores da universidade para estudar as formas de cassar a liminar. Até a conclusão da edição, ele ainda estava na sala e não atendeu à reportagem.
Hoje, a discussão sobre o tema acirrou os ânimos até mesmo na internet. Na comunidade "Contra as Cotas na UFSC", do Orkut, estudantes que se queixavam de ter ficado de fora do processo comemoraram a liminar.
Em um dos tópicos, um integrante dizia ter ficado na 72ª posição num curso com 80 vagas: "E por que não passei? Porque não sou negro. Acho que as pessoas que apóiam essa idéia de cotas merecem um prêmio. Talvez uma bomba."
Já em uma comunidade favorável às cotas na UFSC, o criador do fórum argumentava que alunos formados em escola pública não podiam competir com alunos de boas escolas privadas porque não poderiam pagar bons cursinhos.

Militantes reagem ao debate sobre as cotas com ameaças e apologia da violência física

VEJAEdição 200923 de maio de 2007
Brasil Intolerância

Marcelo Bortoloti
O poeta alemão Heinrich Heine cunhou, no século XIX, a seguinte frase a respeito da intolerância intelectual: "Os que queimam livros acabam queimando homens". Heine alertava para a existência de um caminho natural da censura ao pensamento, que levaria à barbárie. No Brasil, há grupos tentando criar um atalho. O debate em torno da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial tem provocado manifestações destemperadas de integrantes do movimento negro. A simples notícia do lançamento de um livro sobre o tema, Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, publicado pela editora Civilização Brasileira, fez com que seus organizadores começassem a sofrer ameaças. A obra traz 34 artigos que, no conjunto, questionam a racialização em curso no país. Atacam principalmente a idéia de que o preconceito racial é que define as desigualdades sociais. Imediatamente surgiram, na internet, textos que falam em guerra, sugerem ações organizadas no dia do lançamento do livro e chamam de "escravos" dois dos autores, que são negros e militantes do movimento, mas têm opinião própria. "Eu estou com medo", diz a antropóloga da UFRJ Yvonne Maggie, que está entre os organizadores.
A discussão sobre as cotas vem gerando uma crescente exasperação. Em uma reportagem sobre o tema no jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada, o antropólogo Júlio César de Tavares, militante do movimento negro, pregou a violência física. "Chega um momento em que o diálogo se esgota", disse. "Acho que o racista na rua tem de apanhar." Frases assim são ainda mais assustadoras quando encontram respaldo no governo. Em março deste ano, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, puxou o coro da intolerância em entrevista à BBC: "Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco", disse. Com manifestações desse tipo e ameaças cifradas, quem perde são todos os brasileiros. Sem distinção de cor.